quarta-feira, 28 de outubro de 2009

BALADA D'ANTANHO

Um homem disse zangado: quem você pensa que é,
pra ser orgulhosa assim?
Parece mais é demente,bicho feroz,acuado
que nunca diz o que sente,no entanto olha pra gente
como se fosse princesa, filha de rei, grã-duquesa
e não ligasse pra nada que possa lhe acontecer.
Mas deixa estar, eu garanto você vai se arrepender
dessa teimosia inata, de não ter medo de mim.
Nem que te mate à chibata, eu te amanso,coisa ruim.
Acabo com o teu orgulho!
Ela sequer fez barulho mas os seus olhos falaram
coisas que o homem entendeu.
Tanto que suas mãos se crisparam ergueu o braço e bateu.
Bateu forte, feriu fundo queria ve-la implorar
mas ela não implorava e pra si mesmo jurava:
você nem ninguem no mundo vai conseguir me dobrar.
E se dantes era calada, mais calada inda ficou.
Aliás, desde esse dia, sequer com os olhos falou.
Um homem disse bondoso: Se você for como espero
posso leva-la comigo e hei de lhe dar conforto
segurança,afeto,abrigo.
Por ser assim dadivoso quero muita coisa não,
só quero em troca o seu corpo, sua alma, seu coração,
ideias e pensamentos,inclusive sentimentos
tudo deve ser só meu.
Como vê, sou generoso você não pode negar.
E ela amarga pensava: mais um que quer me dobrar.
E muito se entristeceu.
Se dantes era calada, mais calada inda ficou.
Aliás, desde esse dia, nem com o coração falou.
Um homem disse encantado: quem será que você é?
Senhora, bruxa, mendiga,fera,criança, mulher?
Não importa que o diga, advinho em seu olhar
muitas faces reunidas, muitas coisa pra falar.
Coisas desta e de outras vidas, vê-se que muito viveu,
que tem tesouro guardado e nunca a ninguem o deu,
no que está em seu direito, pois o que é seu, é seu.
Eu sou viajor cansado, ai de mim, que nessa andança
há tanto tempo sujeito, perdi até a esperança.
Como vê, dama e senhora, eu não possuo riqueza
e é tão parca a minha vida perante tanta grandeza,
que só me atrevo a pedir o mais pequeno favor
qual seja beijar o pó que o seu passo deixou.
Se me concede, rainha, graça de tanto valor
dou em troca a minha vida, como um eterno penhor.
Se dantes era calada, nesse dia ela falou:
Senhor meu, que enfim vieste,
hei de aceitar teu pedido,
mas com uma condição para mim de real valor:
Queres me dar tua vida como eterno penhor?
Então tens como resgate o tesouro do meu amor.
(Maria do Mundo)

CONTRAPONTO

Existem servos
mas não há senhores
complacentes.
Existem dores
mas não há remédios
eficientes.
Existem demonios
mas não há deuses
suficientes.
Existem infernos
mas não há ceus
coerentemente.
Existem perguntas
mas não há respostas
convincentes.

Maria do Mundo

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

PARA O HOMEM

Você é lavrador, homem.
No campo pedregoso
da minha maturidade
você lavrou paciente.
Sua mão retirou pedra,
arrancou erva daninha,
feriu-se em cardo espinhento,
juntou mato e folha seca.
Tudo limpo, semeou.
E como o fez sabiamente,
aguardando o tempo certo,
agora
no campo antes inculto,
com o vigor e a intensidade
iguais aos da roseira
que viceja em pleno estio,
desabrocharam insuspeitadas juventudes
e árvores de há muito descuidadas
ostentam orgulhosamente
árvores pejadas de frutos túmidos.
E em troca desse trabalho, homem
e em paga dessa alegria
só posso lhe oferecer
o jardim, a flor, o fruto
e a fresca sombra da árvore
onde possa se abrigar
do calor do meio dia.
Você é mágico, homem.
Das artes dos advinhos
tão antigas quanto o tempo
conhece os encantamentos.
Intui desejos secretos,
aspirações, fantasias
e me dá um circo inteiro
com palhaço, equilibrista
algodão doce, pipoca
elefante, cavalinho
e dá boneca, brinquedo,
arco íris, luz e sol.
E em troca dessa alegria, homem
só posso lhe oferecer
-pra quando a noite vier
e lhe chegar o cansaço -
meu sorriso renovado
e a canção redescoberta
que cantarei docemente
ao lhe ninar em meu braço.

PARA O AMIGO

Nós dois partilhamos coisas,
idéias e sentimentos.
Nos falamos sem palavras,
dançamos sem movimentos.
Andamos no mesmo passo
sem perder um só compasso
da música que amamos
e que bem alto cantamos
embora ninguém nos ouça.
Gostas de estar ao meu lado,
gosto de estar contigo.
Como é bom querer-te, amigo!

CICLO DAS ESTAÇÕES

Era um dia de manhã.
Chovia forte e eu quis um amor
pra comigo beber água da chuva
pra andar de pé descalço
tomar banho na goteira
fazer barco de papel
que corresse bem depressa
na enxurrada ligeira.

Mas os de guarda-chuva e galocha
disseram não ter sede
e temerem resfriados.

Meio dia fez sol quente
e eu quis um amor.
Pra atravessar comigo o deserto
enfrentar vento e poeira
queimar pé na areia ardente
até chegar nos confins
e ver tudo o que havia lá.

Mas os da sombra e do oásis
quiseram ficar na tenda
tão estreita e tão pobrinha.

A noite estava chegando
e eu só queria dormir.
Mas bateram à minha porta
me chamaram pra sair.
Num barquinho de papel
corri mundo, corri céu
até depois dos confins,
onde guardam chuva fria,
estrela, lua, sol quente
e onde o que chamam de Tempo
é uma palavra somente.
Maria do Mundo.

CANTO ESCURO

A minha angústia, pertinaz rebento
filha primeira da minha covardia
concebida com o medo das perguntas
num útero infantil avesso à vida,
a minha angústia nunca será órfã,
morrerá comigo, morreremos juntas.
Pois que ligou-nos a infelicidade
numa intrincada e bem tecida teia,
onde uma é outra e outra é uma.
Nessa absurda e louca simbiose
juntas iremos até o fim.
(Provavelmente vindo de uma overdose)
E assim,
sem nenhum help, socorro, SOS,
a minha angústia, pertinaz rebento
filha dileta da minha covardia,
concebida no medo das respostas
num coração posto ao desabrigo,
a minha angústia nunca será órfã,
morreremos juntas, morrerá comigo.


Maria do Mundo.

CANTIGA DA BRUXINHA

Voei bem alto no céu,
fui além da lua cheia.
Lá peguei tudo o que tinha:
coração, flor, estrelinha,
trouxe tudo pro meu bem.
Só não trouxe o meu amor
por que esse ele já tem.

CERTEZA

Não me perguntem de mim
Já não sou há tanto tempo!
Perdeu-me a vida, a morte,
ou, quem sabe, o sentimento?

O argueiro, o cavaleiro,
o fundo d'agulha, o camelo,
cada um ou todos eles
não sei quem primeiro

nem quando, nem quem os trouxe.
Mas me desfiz por inteiro
a um leve sopro de vento

que, em pleno fevereiro,
levou-me ao estágio final,
à estação do esquecimento

Maria do Mundo

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Névoa

Numa noite de inverno, senti tanto frio que até os braços de passadas dores serviram-me de coberta.


(Maria do Mundo)

Morrer de Paixão

A cigarra entrou ziguezagueando janela adentro e caiu no assoalho onde ficou hirta, num chilique de canto apaixonado. Alí, junto de mim, que já me desapaixonei até de goiabada.



(Maria do Mundo)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Campo de flores

"Na curva perigosa dos cinquenta, derrapei neste amor." Carlos Drummond de Andrade

Calada

Acordei estremunhada
com raiva da vida
com medo de mim.
No espelho molhado
um rosto sem brilho
uma face cansada.
O calor, firmemente assestou
suas garras no asfalto,
desfigurando os céus
adementando as gentes.
Entrei nele com vontade,
querendo sentir a dor,
querendo perder a cor,
buscando tirar da veia
o sangue cor de carmim.
No caminho do horizonte
vagalhão veio e se foi,
o oceano abrandou
lua nuva escureceu
e a natureza assentou
enfim.
(Maria do Mundo)

domingo, 11 de outubro de 2009

Poesia bestinha

Da janela da cozinha
Olhei pro céu
Vi uma estrelinha
Coisa mais bonitinha
Aí olhei pro quintal
E vi uma ninhadinha
Tão bonitinha
Pajeada por dona Galinha.
Quanta besteirinha,
Falta do que fazer
Pra isso é que serve
o Coisinhas para ler